(19:35 h)

então é essa a aventura humana?
tanto esforço para chegar até aqui
tanta espera
por um acontecimento extraordinário
e quando isto aparece
é o anúncio da própria morte
mas afinal algo excepcional surge
aqui dentro não lá fora
não em volta
não uma Cartago aniquilada
não um bombardeio em La Moneda
não um exército inteiro
de moleques chacinados na praia
não a fome os bichos
os orangotangos enjaulados
não as crianças brincando
na beira de rios de vômito
em bairros maiores do que o mundo
chapinhando
sobre excrementos
não a marcha dos fantasmas
saídos da névoa de napalm
não golfinhos cercados no canto da enseada
não Hiroshima
não todos eles mortos a pauladas
não todos nós
como uma manada uniforme
avançado no mesmo compasso
desaparecendo através da poeira
levantada em Dresden
não lá em cima não lá mais abaixo
mas aqui dentro
que vou afundando
até tocar os ladrilhos
dando mais uma braçada
mais um impulso primordial
gosto de testar meu fôlego
até o limite
sempre gostei de vir aqui embaixo
olhar para cima
e encontrar as perninhas das crianças
debatendo-se
quase na superfície
lá longe separadas por um cordão
de pequenas bóias
apartadas deste mundo real
e mesmo assim imaginário
onde vivemos nós
adultos
mais inseguros que elas
mais indefesos que animaizinhos
disfarçando
fingindo
com nossas máscaras amarradas
gosto disto
de me afastar aos poucos da miséria
da lembrança das perdas
eu mesmo que estou me perdendo
falta pouco
dou impulso com os dois pés no fundo
e volto à superfície