(14:56 h)

faço de conta
que um bicho-preguiça
me abraça
mesmo depois de romper
com as recomendações
médicas
de somente consumir um comprimido
de morfina
a cada seis horas
ora, eu os tomo a cada cinco minutos!
portanto penso
em minha sagrada mãezinha
que sempre diz
não beba muito
não use drogas, meu filho,
volte cedo pra casa
– só que a dor, mãezinha
não cessa
e pelo menos um bicho-preguiça
me acolhe
          me acolheria meu avozinho?
          ele que foi
          exilado
          como um pássaro
          de seu próprio ninho
          ele que era exatamente sincero
          com todas as suas mentiras?
penso que há uma penumbra
clara
que me traz
estas recordações
de menino
          fui com ele
          através do pântano
          e do continente
          através da cordilheira
          ele que tinha todos os antepassados
          escondidos
          num chaveiro
          ou
          dentro da carteira
          em que lugar ele trazia
          tamanhas e enganosas covardias
          estariam todas elas escondidas
          sob as palmilhas
          dos sapatos
          ou costuradas ao forro
          da mais oculta algibeira?
          numa bendita noite
          entre uma ferrovia e outra
          entre um hotel
          e outro
          entre sua memória
          gasta
          e sua absoluta vida
          onde se deu
          seu primeiro enfarte?
          foi ele quem me trouxe
          até aqui
          meu avô foi um cão
          perdido
          em todas as ruas
          um homem
          sem guarda-chuvas
          ele foi uma ilha
          aquele exato modelo
          cartografado
          de ilha
          de onde todos fugimos
          mesmo antes
          muito
          antes
          de existirmos
e ainda assim um bicho-preguiça
se esconde
à minha volta
não é um abraço
é uma carapaça
é uma sensatez
que o cansaço traz
deveria haver
um lugar com cadeiras
nesta calçada
mesmo algo que fosse
um suave sussurro
de brisa
mesmo que fosse uma tempestade
algo que diminuísse a sede
pois
é
aqui mesmo
que me sento
e peço um copo gelado
uma mistura de limão
de vodka com açúcar
um pouquinho de morfina
uma mistura de solidão
e companhia
até ver passar
a tropa de choque
da humanidade
perdida
no meio da tarde
um sujeito como eu
filho de quem sou
neto de quem fui
o bicho-preguiça se espalha
ao meu redor
estou dentro
do meu pensamento
e
só posso pensar
que não haverá
amanhã
algum