(14:30)

pois então
eu mesmo me pergunto
deveria
ter abandonado
a carreira
o cutelo
o deslumbre
o poder
os rapapés
a montanha de dinheiro
os dias de servidão
e de luxúria
a quietude
pra não dizer
o vácuo
dos finais de semana?
pois então me pergunto
poderia ter escrito
poemas incríveis
poderia ter estudado
lido mais
poderia ter tido amigos?
          tudo isto
          neste tempo
          em que escolho
          uma calça
          uma camisa
          a roupa íntima
          e reparo
          na profundidade
          tátil
          das vendedoras
          tão meninas
          e observo
          suas coxas
          suas nádegas
          seus seios
          e percebo
          a suavidade da juventude
          pousada
          na tez
          nos braços
          nos pézinhos
          – velho depravado
          só lhe falta o balcão
          o cinzeiro
          e o copo de uísque
poderia ter ouvido mais
as pessoas?
e se houvesse o dom
sim
eu seria além e acima de tudo
algo como um poeta
mesmo que isso me levasse
a perder o juízo
pois então eu sigo
rua Augusta acima
a sacola na mão
balançando
sempre balançando
as roupas novas
tanto dinheiro no bolso
sem saber responder
a mim mesmo
àquela pergunta feita
num verso
faz muito tempo
pelo melhor amigo
acaso choraste no enterro de teu pai?
sem conseguir lembrar
sem conseguir responder
ajeito os fones no ouvido
como canta essa menina
agora você sabe
dizem que ela
é louquinha de tudo