(15:01 h)
posso compreender
imediatamente
a dificuldade que existe
em querer enxergar
a mim mesmo por inteiro
nem que seja
por um minuto
isto posto
começo a vasculhar
a ponta dos pés
os sapatos
os cadarços desamarrados
a bainha das calças
e vou subindo
todos sabem
que acima disso
há tudo
menos a compreensão
do que somos
e há a perna
o joelho a coxa a virilha
já não sou tão magro
como desejaria
como desejei ser
um rapaz
eternamente alto belo
e esguio
e de repente
chego
ao alto do cucuruto
coisa que não vejo
mas imagino
os cabelos curtos
bem sei
que há cinzas neles
e os meus óculos
bem vejo a moldura
que envolve o mundo
é tão fácil perceber
a maneira como se esgota
este caudaloso
minuto
é tão fácil perceber
o queixo encostado ao peito
mais uma reação
adversa
da mistura
da solidão
com a companhia
mesmo assim
num salto
chamo o garçom e pago a conta
atravesso a Luís Coelho
entro na farmácia
e perto de gritar
num cumprimento
alegre
substancial
e ao mesmo tempo vazio
digo olá Estevez
ele que sempre me vem em socorro
com algo que me acorda
bravamente
como a anfetamina
algo que se parece
com um exterior mais ativo
mais forte
que a energia do sol
algo mais vigoroso
que o rugido das ruas
é tão fácil
dar tratos à bola
e é desse modo que ficamos quites
Adeus ó Estevez
é tudo o que eu digo
atravessando a Augusta
ignoro a sinalização
e me dirijo à tabacaria