(15:28 h)


praticamente quites com tudo
alcanço o outro lado da rua
a tabacaria me recebe
         não seu dono
         que já figura num passado
         tão distante
         e sem sorrisos
         onde palavras valiam mais
         muito mais
         do que meros artifícios
já tão mudada a tabacaria
tão cheia de novidades
jornais e revistas coloridas
frascos rótulos etiquetas
ainda me detenho naquele tempo
quando tudo era mais puro
         dois quartilhos de malte de milho
         duas carteiras de cigarros
         do mais dourado tabaco
         sem um pingo de mistura
         é tudo o que peço
         é tudo o que pago
e agora com um silêncio cravado
nas prateleiras e nas vitrines
o ármario trancado a chaves
com os cachimbos
as canetas-tinteiro
um velho mundo
totalmente desaparecido
estou desaparecendo junto
e sequer me despeço do mundo
estaciono na calçada
me encosto à sombra do poste
tudo corre num lampejo
ônibus cheios
tantas vidas miúdas
tantos medos
tantos projetos diluídos
sinto um frio invadindo
os sapatos e as meias
cheias de suor de cansaço
e os pés sem nunhum estímulo
subo o olhar para além do poste
do outro lado da rua
placas signos logotipos
um emaranhado de fios
desaparecendo
estou desaparecendo
sou um pombo-correio
bicando o meio-fio
é impossível prosseguir
mesmo possuindo
tudo aquilo que preciso