(15:36 h)

há certo encanto neste mundo
mesmo que ele seja visto
por alguém como eu
encostado num poste
ao pé de uma parede sem porta
embora haja
em outras paredes
outras portas
e em outros edifícios
janelas abertas
          – deixem
          que outras almas
          entrem, é o que peço
e por trás delas
quietos e impacientes
tolos e gênios
grandiosos e pequenos
seres suaves contagiados
pela ríspida vida
          – eu peço, deixem
          que outras inspirações
          trafeguem
          por dentro de suas almas

quantas vidas cabem
num só dia?
quantas vidas
há dentro de mim?
quantas mortes?
quantas imprecações?
quanto consolo?
há pacificação
nesta hora?
existe um desespero
escondido?
          os gestos estão todos lá
          atrás de cada soleira
          guardados nas gavetas
          trancados na memória
          sob lençóis macios
          dobrados numa outra tarde
          tão parecida com esta
          e a questão humana
          e os gestos humanos
          estão lá
          fechados
          atrás de janelas abertas

embora a tarde
seja semelhante
a outras tão distantes
guardo a impressão
do nascimento de tudo
neste exato segundo
          são 15:39:45
          ao sul do equador
          são 15:39:58
          nesta alameda
          sob a luz dos trópicos
o absoluto renasce
e é deste modo
que tudo começa
a fazer sentido