(16:19 h)

o inverno torna-se quase suportável
          eis a terna face da tarde
          eis um homem que caminha
          em seu renascimento
nem sei por que insisto
em pensar
o mesmo
repetidamente
          ou nem penso
          pode ser algo
          que escapa
          do meu antigo medo
mas não me engano
todos têm a obrigação de morrer
num certo momento
          desde que não seja agora
          sob este inverno
          que se desmente
nem sei por que insisto em continuar
se renascer é isto
um arremedo
um deslocamento
a velha inadequação
atravessando a todos os que vejo
ao final do corredor
ao final de uma hora
de um dia
de uma vida
uma puta chicoteando meus ombros
suavemente
há pouco
um cochilo
um descanso
talvez um sonho
que não conto
nem a mim mesmo
          eis um homem renascido
          em seu próprio esquecimento

então ganho as ruas novamente
          saudável
          posso até dizer
          bem disposto
          bem apessoado
          após o banho
          uma ducha violenta
          e comovente
          e a roupa nova
          e a pele nova
          e os sentidos
          reluzentes
enquanto
isto
na alameda
todos continuam os mesmos
desconhecidos
de sempre
seres opacos
trafegando
trafegando
num ritmo
inclemente

mais um passo
e eis que ressurge
o novo homem
ou seja
o mesmo
homem
de sempre
subindo
novamente
e
mais uma vez ainda
subindo e subindo
a alameda
um homem
com seu pouco tempo de vida
com um caderno de anotações
encostado ao peito
onde se encontra
o esboço
de um outro homem
marcado
para morrer
brevemente
e no entanto
e a propósito
um homem
disponível
que bem poderia estar
em qualquer outro lugar
          numa aventura noturna
          inventando novas criaturas
          como companhia
          ou combalido
          revisitando
          velhos comparsas
          assassinos
          ou embarcando
          num comboio
          atrás do demônio
          correndo
          atrás do ouro
          numa tarde como esta
          mas tão diferente
          num tempo reinventado
          mas tão parecido com este
eis o novo homem
um esboço
um personagem
marcado
num caderno de anotações
uma escrita cifrada
que insiste
em permanecer