(12:38 h)

gostaria de dormir
e se possível
acordar
daqui a um ano
este não é o momento exato
para suportar uma luta
de boxe
que atravessa
meus tímpanos
são pancadas superpostas
dentro dos ouvidos
ou uma colisão de astros
bem na altura da nuca
que depois sobe
até a base do crânio
a dor dispensa comentários
tanto esforço para finalmente alcançar
o lugar de onde viemos
tanto esforço
tantas leis
tanto trânsito
tantas fronteiras
atravessadas
então desço a Brigadeiro
numa inclinação que nem ela mesmo
          a avenida
me convence se sou eu
ou se é ela
assim declinada
assim declinado
sem nadinha no estômago
então declino em direção à Alameda Lorena
descendo
sempre descendo
mangas da camisa arregaçadas
um senhor distinto
          todos diriam
se não fossem os olhos alucinados
é preciso recompor a aparência
é só o que tenho
nada por dentro
nada no coração
nada
além das aparências
um banho uma comida caseira e o olhar esgarçado
de minha avozinha
em sua cadeirinha balançando
sempre balançando
assim vou eu
balançando
antes de chegar à Lorena
uma ruazinha por nome Arthur Frazão
um assobradado
tão antigo como ela
a rua
a avó
a cidade
tão antiga que ouso lembrar
o princípio de tudo
é este aqui
o lugar onde nasci
o lugar onde todos morreram
o pai
o avô
as tias, mãe dos céus
este lugar é um túmulo
todos já foram embora
mas permanecem os fantasmas
nos porta-retratos
nas paredes
sobre as cômodas
nas prateleiras
foi aqui que matei meu avô
foi aqui que superei
meu pai
estão todos mortos
menos a avozinha
menos a cozinheira
das almas deste mundo
tanto esforço para finalmente alcançar o mesmo lugar
de onde viemos
não o berço, sim o berço
tanto esforço
desde menino
acordar cedinho
eram as trevas ainda?
ainda era a noite?
de toda maneira
ainda não era o dia
e eu ia descendo
sempre descendo
de manhãzinha
para a escola primária
as calças curtas
as meias compridas
eu era feliz
tão sozinho
e não sabia
olhando para as paredes da sala
hoje vejo o que restou
de mim
e no entanto
ela me olha e vê
seu século vertiginoso
passando
sou sua tela de cinema
seu monitor de tevê
a avozinha olha pra mim
seu olhar é um fiapo de luz
um cochilo
a vida é um cochilo ligeiro
tanto esforço pra chegar
até aqui
a cozinheira traz meu prato
é ela quem cuida da minha velha avó
          quem cuidará de mim?