(13:41 h)

é estranho pensar em você
agora que estou partindo
quase sem olhos
enquanto percorro o calçamento ensolarado
da avenida Brasil
em direção à igreja
de Nossa Senhora do Brasil
eu que não canso de me repetir
eu que sequer sei rezar
eu que suportei sem velas
sem lágrimas
sem queixas
o peso do mundo
o peso do amor
ele que inclina o eixo da terra
ele que me verga
é estranho pensar em você
agora que estou partindo
quase sem piedade por nada
quase sem lembranças
quase sem saber quem sou
quem fui
quem serei em breve
é estranho percorrer estes últimos instantes
pensando em você que partiu
quase sem preces
uma dolorosa oração bastaria
um kaddish bastaria
ou uma lembrança mais completa
daquela que você foi
de quem fomos nós
habitantes de um mesmo amor
não
aquele amor não pesava sobre nossos ombros
não caminhávamos vergados
como faço agora
em direção ao útero desta cidade gigante
que me acolhe
que me enxota
que me abrigará
novamente em seu perpétuo ventre
se eu pudesse ao menos rezar
enquanto percorro o calçamento ensolarado
nesta cálida tarde de inverno
eu quase cego
ainda assim poderia jurar
que sinto
sua luz
sua imagem sua dolorosa imagem
penetrando em meus olhos
eu poderia dizer
que chega a doer
enxergar tanto assim